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Professora do IFRN investiga o processo de empoderamento de mulheres de assentamento rural

Publicada em 09/03/2020 Atualizada há 1 ano

Uma das entrevistas realizadas pela pesquisadora, no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR). Cedida.

“É um grande avanço para as mulheres, que não tinham direito a nada, só à cozinha”. Esse é o depoimento de uma das moradoras do assentamento rural localizado no Sítio do Góis, em Apodi-RN. Ela é uma das mulheres escutadas pela professora Francisca Gomes Torres Filha na sua pesquisa de doutoramento, realizada através de convênio interinstitucional entre o IFRN e a Universidade do Minho, em Portugal, na área de Ciências da Comunicação e Sociologia.

Francisca é professora de Sociologia do Campus Mossoró do IFRN. Além do seu foco de pesquisa ser mulheres, ela é orientada por professoras da Universidade do Minho - Maria Zara Simões Pinto Coelho e Ana Maria Simões Azevedo Brandão. A pesquisa, portanto, traz as marcas do feminino em toda sua estrutura. Mas que marcas são essas?

A professora do IFRN faz parte da Marcha Mundial das Mulheres e do Centro Feminista 8 de Março. Ela se apresenta como ativista e feminista. Guiada por sua luta pelo empoderamento feminino, chegou aos questionamentos que geraram a sua pesquisa de doutorado, com foco na escuta das histórias de vida de trabalhadoras rurais. “Sou de Apodi, minhas raízes são fortemente rurais. Minha família veio morar na cidade, porém o rural nunca saiu de nós”, responde quando perguntada por que escolheu o Projeto de Assentamento Sítio do Góis como ambiente para sua pesquisa. 

“Escolher o público-alvo foi uma espécie de contínuo da nossa trajetória acadêmica e ativista, já que sempre voltamos nosso olhar para as relações do campo, principalmente agricultores e agricultoras familiares que, no decorrer da história social, política e econômica do país, foram explorados, invisibilizados, oprimidos e subalternizados”, explicou a professora.

Uma das mulheres entrevistadas por ela falou: “teve tempo aqui no Góis que, quando uma mulher ia descansar [parir], era levada numa rede por dois homens carregando até o beiço da pista para pegar um carro [conseguir carona para a sede do município]”. Uma outra destacou: “eu queria ser uma pessoa que soubesse ler, escrever. Queria ser bem resolvida com as coisas”.

O trabalho de Francisca entrelaça, assim, as histórias de vida de mulheres da zona rural com discussões sobre espaço, gênero e poder. A professora realizou 17 entrevistas, com trabalhadoras rurais do grupo “Unidas para vencer”. Ela ingressou no doutorado com o propósito de investigar cientificamente a realidade das mulheres e as estruturas de dominação e poder que a aprisionavam e mantinham distantes das situações políticas de representatividade e decisão.

O ASSENTAMENTO RURAL

“A escolha do assentamento Sítio do Góis como locus da pesquisa deu-se por diversas razões, de econômicas, políticas e sociais até à própria curiosidade investigativa”, revela. A professora explica que a área, formada por uma grande extensão de terra (1.774,65 hectares), era concentrada na mão de um único proprietário. As marcas da pobreza estão, por exemplo, nas casas de taipa (barro), que ainda existem. Até os anos 2000, a estrada que dava acesso à zona urbana do município era carroçável, o que isolava a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do convívio e da troca com outras comunidades. Em 1998, essa extensão de terra foi desapropriada para a Reforma Agrária e 60 famílias receberam, cada uma, lotes de 20 hectares.

DA DOMINAÇÃO AO EMPODERAMENTO

Francisca percebeu que, além da segregação gerada pelo isolamento da área, lugares de fala e de decisões locais eram ocupados primordialmente por homens. De acordo com a professora, perceber essa realidade leva a reconhecer que existe uma estrutura de dominação masculina, mas que tal estrutura não é instransponível nem eterna. Segundo a pesquisadora, são os deslocamentos e a ocupação dos espaços sociais de decisão que representam o que se convencionou chamar empoderamento feminino.

A escuta às mulheres do assentamento permitiu a ela uma melhor compreensão sobre o que chamou o “não lugar” da mulher nesse contexto. Ela percebeu que as trabalhadoras rurais não tinham consciência de que essa forma de existência se naturalizava através da continuidade do que já era vivenciado, mantendo as situações de opressão e de violência, também simbólicas. Isso se constrói, muitas vezes, através de vínculos emocionais e afetivos estabelecidos com os opressores. Um exemplo disso é o costume do apadrinhamento de filhos ou do casamento, o que tem como consequência a ideia de que se deve gratidão e obediência.

A professora destaca que os resultados alcançados até agora com a pesquisa, ainda em fase de conclusão, apontam que o processo de auto-organização das mulheres contribui para que reconheçam as desigualdades de gênero nas estruturas da organização social, com a predominância de homens em lugares de decisão, mas as leva a perceber que essas diferenciações podem ser redefinidas.

O processo de empoderamento das mulheres, portanto, passa por movimentos de auto-organização, como o do grupo que ela entrevistou, o “Unidas para vencer”. Ao falarem e se ouvirem, as mulheres percebem a importância do trabalho que exercem na constituição familiar e social. Com mais consciência de si, passam a ocupar e a exigir mais espaço em ambientes estruturantes como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), associações, coletivos e fóruns. “Depois que se veem melhor, elas começam a se fazer ver. Esse reconhecimento é essencial para a elevação da autoestima e da valorização e percepção de si enquanto participantes da renda da família, ou seja, para perceberem o valor do trabalho que executam”, enfatizou. Assim, mudando a forma como se veem, mudam a si e a comunidade em que vivem.

Pesquisa em destaque:

Título: Gênero e participação política das trabalhadoras rurais: o caso do P.A  Sítio de Góis/Apodi-RN (NE/BR)

Pesquisadora: Francisca Gomes Torres Filha – professora de Sociologia do Campus Mossoró do IFRN

Orientadoras: Maria Zara Simões Pinto Coelho e Ana Maria Simões Azevedo Brandão

Área: Ciências da Comunicação e Sociologia

Instituição: Universidade do Minho, Portugal – através de convênio interinstitucional com o IFRN

Palavras-chave:
ensino
pesquisa

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