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Pelas ruas de Natal, Guilherme, pessoa com deficiência, vence adversidades com a ajuda de um grupo valioso

Publicada em 05/07/2021 Atualizada há 1 ano

Guilherme estudando no Napne
Por Maria Clara Pimentel, 
estagiária de Jornalismo na Reitoria do IFRN

 

Guilherme Farias, pessoa com deficiência intelectual de 36 anos, faz o Curso Técnico Integrado em Eventos, no Campus Natal-Cidade Alta do IFRN. Desde 2019, quando ingressou no instituto, recebe suporte do Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (Napne). Durante esse período, ele também esteve em situação de rua, até mudanças recentes que o colocaram em uma circunstância mais estável.

Esta história começou dois anos atrás, quando a Casa do Estudante - instituição de apoio a estudantes que era mantida pelo governo estadual - fechou. Guilherme residia no abrigo enquanto estudava no curso de História de uma universidade privada na capital potiguar. Como não recebia nenhum tipo de auxílio educacional, apesar de sua deficiência, reprovou muitas vezes e acabou perdendo a bolsa em um programa de financiamento estudantil, ficando sem ter como se sustentar. Saiu do curso no mês de março e foi morar em um albergue no bairro da Ribeira.

Uma mudança na direção dos ventos aconteceu quatro meses depois, em julho de 2019, quando passou para o Curso Técnico Integrado em Eventos do IFRN, no Campus Natal-Cidade Alta. Assim que entrou no Instituto, foi acolhido pelo Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (Napne/IFRN), onde passou a ser auxiliado nas tarefas e acompanhado diretamente em sala de aula por uma ledora. Era também por meio do Núcleo que encontrava sempre um local para deixar guardados seus pertences de maior valor, já que passava o dia inteiro no Instituto e voltava ao abrigo apenas para dormir.

Com a pandemia do coronavírus, essa realidade mudou completamente. Pelo fato de não poder frequentar o Campus de forma presencial, Guilherme passou por desafios extras, além dos que ele já tinha que enfrentar em sua vida normal. Houve o recolhimento das pessoas que moravam no albergue, o que limitou sua liberdade de ir e vir. Além disso, o estudante contraiu a Covid-19 no abrigo e passou por alguns momentos de ansiedade intensa, que desencadearam surtos.

A assistência que recebia do Napne/IFRN também ficou prejudicada. Guilherme conta que foi difícil continuar com o atendimento psicológico e com a ajuda da ledora nas tarefas porque era complicada a comunicação. Ter o seu contato com o Núcleo restringido ao telefone atingiu a relação de forma considerável, pelo fato de o dispositivo não ser uma ferramenta tecnológica de muita acessibilidade.

Francilene Santos, diretora acadêmica do Campus Natal-Cidade Alta e coordenadora suplente do Napne, conta que havia a preocupação de localizar Guilherme, inscrevê-lo em editais e repassar as informações às quais ele precisava ter acesso. Com a ajuda do Núcleo, o aluno foi contemplado pelo auxílio digital para o ensino remoto no IFRN e conseguiu comprar um computador para assistir às aulas. De acordo com Francilene, Guilherme é uma pessoa extremamente disciplinada, que gosta de manter suas coisas organizadas. Desta forma, tinha o costume de guardar o computador na direção do albergue, de onde só retirava para estudar.

Napne

O Napne/IFRN teve que passar por mudanças consideráveis desde o começo da pandemia da Covid-19. Passou por adaptações e reinvenções que evidenciaram a necessidade de um atendimento mais próximo, apesar da distância física.

O Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas está presente em todos os campi do IFRN. No Natal-Cidade Alta, onde Francilene atua e Guilherme é atendido, a equipe multiprofissional conta atualmente com sete servidores voluntários, sendo quatro atuantes assíduos e três de rigor pontual. Juntos, atendem 26 estudantes do Campus, que têm graus diferentes de necessidades: alguns precisam de ajudas específicas, enquanto outros precisam do suporte diário do Núcleo.

Além dos servidores voluntários, o Napne/IFRN contou por dois anos com três profissionais de apoio que se dedicavam exclusivamente ao Núcleo: o psicopedagogo, o cuidador e o ledor. A presença desses profissionais é muito importante pelo fato de os demais servidores, como Francilene, terem outras funções no Instituto, não tendo a disponibilidade de tempo ou as formações técnicas necessárias para atenderem os estudantes como necessário. Atualmente, uma nova licitação sistêmica foi aberta para a contratação de novas empresas e outros profissionais de apoio para os Napnes de todos os campi.

Sobre o trabalho do Núcleo, Francilene enfatiza: “O nosso atendimento é completamente personalizado; é analisado o que aquele estudante, aquela pessoa, precisa”. A equipe precisou se reinventar totalmente e se desdobrar em rotinas que não achava que precisaria - e cada pequena vitória era comemorada. Como as recentes conquistas de Guilherme, nosso personagem que abriu a matéria. Recentemente, ele passou em História na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN); começou a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), por ter deficiência comprovada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ser considerado inapto a trabalhar; e, por consequência, conseguiu sair da situação de rua, agora morando em uma pensão no centro da cidade.

Guilherme alcançou melhores condições de vida depois de muitos desafios e provações, sabendo que nada foi fácil e nem vai ser. O que mais gosta de fazer na vida é viajar e conhecer lugares novos - o que, por meio do passe livre, concedido devido à sua deficiência, consegue fazer sem gastar quase nada. Já foi a São Paulo, Recife, Foz do Iguaçu, Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe e inclusive estava em Belo Horizonte durante a entrevista. “Às vezes dá medo estar sozinho em cidade grande, mas eu tento colocar na cabeça que preciso me virar; meus colegas do albergue diziam que eu tinha potencial para isso, que eu era independente”, palavras com as quais ressignifica o que poderia ser visto como solidão.

Palavras-chave:
ensino
servidores

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