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Reflexão

Neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, um convite à reflexão

As servidoras Fabiana Texeira e Clarissa Oliveira trazem reflexões fundamentais

Publicada por Ana Ramos em 25/07/2025 Atualizada em 25 de Julho de 2025 às 09:11

No dia 25 de julho, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data foi instituída durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingo, República Dominicana, em 1992. O intuito da criação da data foi combater o racismo e o sexismo, valorizar a identidade, a ancestralidade e a resistência das mulheres negras, além de fortalecer a união dessas mulheres em prol de seus direitos.

Para tratar sobre a temática, conversamos com Fabiana Texeira Marcelino, graduada em Psicologia pela UFRN (2003), especialista em Promoção da Igualdade Racial nas Escolas pela UFERSA-UNIAFRO (2016) e mestre em Educação pelo IFRN (2018). Fabiana é também autora do estudo “Buscando e Reconhecendo Direitos: a Produção de Conhecimento sobre Educação Escolar Quilombola”.

Dialogamos também com Clarissa Felipe de Oliveira, graduada em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2009), assistente em administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, com experiência na área de Administração e ênfase em Gestão Estratégica de Pessoas. A servidora possui Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Clarissa é autora dos estudos “Trabalho e Interseccionalidade: (Entre)Atos da Mulher Negra” e “Entre Trincas e Trançados: Subalternidade de Gênero e Interseccionalidade no Instituto Federal do Rio Grande do Norte”.

Ambas são servidoras e pesquisadoras do IFRN Campus Natal-Centro Histórico e estudam a temática racial no Brasil. As entrevistas abordam desde as marcas da colonização e os desafios da identidade racial no Brasil até a vivência específica das mulheres negras, atravessadas pela interseccionalidade de gênero, raça e classe.

Racismo no Brasil: entre o mito da democracia racial e a negação da identidade

No bate-papo com Fabiana Marcelino, a servidora faz uma análise sobre a complexidade da identidade racial no Brasil, destaca como a colonização europeia estruturou um sistema de discriminação e desigualdade racial, que ainda hoje afeta as relações sociais e o acesso a oportunidades de trabalho para pessoas negras e grupos marginalizados.

“A identidade étnico-racial não é uma questão biológica ou de fenótipo. Ela é construída socialmente e historicamente, e o Brasil foi forjado num processo de embranquecimento, que sempre deslegitimou a identidade negra”, afirma Fabiana.

Desse modo, a autodeclaração e identificação racial tornam-se batalhas para muitos brasileiros, devido ao apagamento histórico e da valorização exclusiva de culturas associadas à tradição européia ou ocidental.

A pesquisadora também ressaltou que o processo de embranquecimento e deslegitimação da identidade negra está atrelado ao mito da democracia racial, que perpetua a ideia de que o Brasil é um país livre de racismo. Na prática, esse discurso descridibiliza a realidade das desigualdades históricas e impede a aplicação e aperfeiçoamento de políticas públicas para combater a discriminação e desigualdade racial.

Fabiana Marcelino
Fabiana Marcelino

Interseccionalidade: quando gênero, raça e classe se entrelaçam

A compreensão dos enfrentamentos vivenciados pelos grupos sociais historicamente marginalizados é importante para compreendermos os desafios da sociedade contemporânea. Em diálogo com Clarissa Oliveira, a servidora pontua a necessidade da interseccionalidade para a entender as múltiplas opressões enfrentadas pela comunidade negra. Segundo ela, “Interseccionalidade é o que a gente chama quando existe essa interação de fatores que vão permeando a vida da pessoa. Por exemplo, uma pessoa que vive o racismo, uma pessoa que vive a misoginia. No caso, a mulher negra sofre a opressão de gênero e a opressão de raça ao mesmo tempo.”

Ela ressalta que o conjunto de preconceitos e desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira, relacionados à classe, gênero e sexualidade, também dificulta a sobrevivência e a vida dos indivíduos, ampliando assim os desafios enfrentados por esse grupo social marginalizado.

Simultaneamente, ela reforça que as discussões de gênero não devem apenas ser restritas às mulheres, pois também afetam homens negros, “As questões de gênero também afetam os homens, embora seja diferente, sim. Isso é uma coisa que a gente precisa desconstruir: falar de gênero não é falar só de mulher.”, como afirma a pesquisadora.

Portanto, compreender a interseccionalidade é necessário para refletir e enxergar a complexidade das opressões e desigualdades que afetam pessoas negras, especialmente a realidade de mulher negras no Brasil, visto que possuem experiências na vida com múltiplas camadas de discriminação. A partir dessa compreensão será possível desenvolver espaços inclusivos e que enfrentam as desigualdades estruturais e promovam a equidade para todos os grupos marginalizados

Clarissa Oliveira
Clarissa Oliveira

Educação antirracista: da teoria à prática cotidiana

Ambas as entrevistadas concordam que a educação antirracista é um importante meio de enfrentamento às discriminações. Como afirma Fabiana: “Educação antirracista é ter cuidado com a linguagem, respeitar identidades, respeitar a dificuldade da auto declaração [...] fazer atividades de valorização das religiões, fazer leituras nesse sentido.”. Desse modo, é possível concluir que a educação comprometida com a valorização da identidade e com o reconhecimento da história negra e indígena, torna-se essencial para a construção de espaços mais empáticos e de indivíduos com pensamentos críticos.

Ela ainda destaca a necessidade de que esta prática precisa considerar o contexto local: “Se eu trabalho no IFRN, por exemplo, de Pau dos Ferros, que é cercado de comunidades quilombolas, indígenas, eu tenho que pensar em atividades que incluam essas comunidades, porque eu tenho alunos dessas comunidades”. Com isso, as instituições de ensino se tornam espaços de reconhecimento, deixam de ser apenas um espaço de ensino e também reconhecem as realidades das comunidades nas quais estão inseridas e dos indivíduos que a compõem.

Clarissa reforça que a educação deve contribuir para desconstruir estigmas. “Quando a escola ignora o debate racial, ela reforça o que está posto. Por isso, é papel da educação provocar, tensionar e também acolher”, afirma. Ademais, a servidora reforça que “É necessário ensinar a história da África, valorizar as referências negras e construir uma escola onde todos se sintam pertencentes.”, ou seja, o espaço escolar precisa ser acolhedor e reconhecer a identidade negra que constituem esses ambientes.

Sendo assim, a educação antirracista vai além da teoria e conteúdo aplicado em sala de aula: trata-se de rever práticase relações, para que todos se sintam pertencentes, respeitados e reconhecidos. Essa transformação é necessária, e começa com o compromisso de professores, instituições e políticas públicas.

Esperamos que o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha continue reforçando a importância desse debate e proporcione uma sociedade cada vez mais justa e inclusiva.

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