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Pés de sonho: quando o impossível não tem vez

A inspiradora história do ex-aluno que lutou pela vida em busca dos sonhos

Publicada em 29/09/2017 Atualizada há 12 meses

Foto: Brígida FonsecaPor Romana Xavier

Às vésperas de completar 34 anos, Wagner volta ao passado quando entra novamente no IFRN. Um passado que nunca deixou de ser presente na vida dele. Entrar na escola do coração traz sempre muitas recordações: “Quando ingressei aqui, eu só tinha 13 anos. Eu sou o primeiro e único filho de minha mãe, venho de uma família muito humilde, cresci no bairro Amarante e brincava muito no mangue. Minha mãe nunca teve dinheiro, mas me dizia sempre: “você pode perder tudo na vida, mas ninguém pode tirar de você o que você aprende”.

E, assim, Wagner, inspirado pelas sábias palavras de sua mãe, desde muito cedo, dedicou-se ao estudo e a esse caminho de educação, que o levou longe: “Quando eu estava na quarta série, estudava no Instituto Ary Parreiras, uma escola da Marinha. Lá o capitão Porcino sempre exigiu muita disciplina. E, então, estudei bastante e concorri a uma vaga aqui na escola. Fui um dos poucos que passaram. Escolhi o curso, porque tinha interesse por pedras preciosas, por isso fiz Mineração”. E, assim, como uma pedra bruta que descobre a si mesma, Wagner garimpou sua melhor joia: a perseverança. Pouco a pouco, burilado pelo tempo e pela dedicação, um mundo precioso se abriria aos olhos de Wagner.

 No primeiro dia do curso de Mineração, uma coleção de novidades se misturava ao espanto feliz de pequenas alegrias como a de ganhar uma agenda no primeiro dia de aula: “Cheguei na escola e aí tem esse mundo aqui. Lembro que ganhei uma agenda e aquilo me marcou muito, porque começamos a ter cidadania. Na primeira aula, lembro que era a professora Elisa a quem admiro muito, porque tem professores que nos marcam, e ela foi um desses que me inspiraram a ser o educador que sou hoje. Com nossos professores, aprendemos quem queremos ser e quem também não queremos. Pois bem, a professora perguntava muitas coisas e eu era muito tímido mesmo, então lembro que travei e fiquei muito deprimido com isso. Naquele mesmo dia, passei por um cartaz do grupo de teatro da escola e resolvi tentar a vaga, pois percebi que eu realmente precisava de ajuda. Foi uma tragédia o meu teste, como já imaginava, mas pedi a professora Isabel para permanecer no grupo porque eu precisava de ajuda”.

A necessidade fez de Wagner um lutador daqueles que não desistem do embate, mesmo quando as intempéries da vida se aproximam. E, assim, com a gana de quem vive a vida enfrentando seus próprios medos, ele logo subiria ao palco como protagonista de uma famosa peça: “Um dia alguém do grupo de teatro faltou, e a professora Isabel me chamou para substituí-lo. Cinco meses depois, eu seria o protagonista de uma peça chamada “O Casamento”, de Luís Fernando Veríssimo. É uma comédia muito boa e auditório estava lotado. Lembro que me marcou muito porque foi a primeira vez em que eu tive a epifania de me perceber como centro daquilo e eu não tinha medo. A primeira vez que eu senti de fato a autonomia. E aí, quando você ganha autonomia, você adquire cidadania e percepção de dignidade. Fiquei muito popular dali em diante, foi muito engraçado depois”.

De repente, aquele garoto tímido se tornou popular. Após o sucesso das peças de teatro, Wagner passou a ter amigos em cada recanto da escola e, assim, descobriu novos horizontes. Foi então, nessas descobertas e no contato com alunos estrangeiros que faziam intercâmbio no IFRN, que ele descobriu seu interesse por idiomas: “Comecei a fazer inglês aqui mesmo na escola. Como me interessei muito por aprender a língua inglesa, porque passei a conviver com vários amigos de outros países, minha avó, que era camelô no Alecrim, juntou todas as economias que tinha e pagou um curso extra de inglês para mim. Terminei o curso de 5 anos em 1 ano e meio, porque não sabia até quando ela poderia pagar. Por isso, eu estudava adiantado sempre o conteúdo do próximo nível e, assim, fui pulando os níveis e me formei em 1 ano e meio”.

Com o passar dos anos, Wagner teve que decidir qual carreira seguir e, apesar de sempre haver sonhado com medicina ou fisioterapia, pelas dificuldades da vida, escolheu a graduação em Comunicação Social: “Acabei fazendo vestibular para Jornalismo e, no meio do curso, fui para Alemanha continuar a graduação lá, o que era um sonho muito antigo. Trabalhei muito para juntar dinheiro para ir e, quando finalmente consegui, ao chegar lá, fiquei muito doente. Isso foi um baque enorme para mim”.

A doença, que atravessou a jornada de Wagner como a morte - que não avisa quando vai chegar - mudaria para sempre a perspectiva que ele tem da vida: “Fui diagnosticado com leucemia e, nesse momento, eu morri. Não porque estava com uma doença grave e achava que iria morrer, mas porque eu percebi que morreria sem haver realizado meus sonhos. Foi então que fiz uma lista de sonhos para realizar antes de morrer”.

Em busca de lutar pela vida e pelos sonhos, Wagner precisou voltar ao Brasil para fazer o tratamento e, por isso, seus estudos na Alemanha foram interrompidos. Posteriormente, o diagnóstico de Wagner foi diferente, no lugar de Leucemia, duas doenças autoimunes cruzadas se confirmaram: Artrite Reumatoide e Espondilite Equilozante. O nível avançado em que as doenças se encontravam fez com que os sintomas fossem confundidos com os da Leucemia.

Depois que retornou a Natal, Wagner, mesmo em pleno tratamento, resolveu dar uma guinada na sua vida, abandonando o curso de Jornalismo, já quase no fim, para começar um curso que realmente desejava fazer. A paixão pela Fisioterapia era antiga, dessas dos tempos de escola: “Quando eu vinha para cá, chegava às 7h da manhã e saía às 22h da noite. Uma fuga de onde eu vim, das drogas e de todo os perigos do meu bairro. A escola era minha zona de proteção. Quando eu lutava karatê, na época, eu inflamei o pé e comecei a ficar doente. E, por isso, fui fazer fisioterapia aqui na escola. Achava tão bonito o trabalho dele, dr. Antônio. Ele foi minha inspiração, pois me apresentou a fisioterapia humana, de saber quem você é, sua estória e sentar para conversar”.

E, então, a despeito das dificuldades naturais de qualquer mudança, mas muito mais intensas, quando se enfrenta ao mesmo tempo doenças tão graves cujo tratamento é tão sofrido, Wagner perseverou: “Praticamente ninguém me apoiou e, nesse aspecto, a minha médica foi decisiva, porque ficou do meu lado. Fui na fé mesmo, nessa força. Uma coisa que nós todos daqui da escola temos em comum é que a gente não aceita um não. Sempre encontramos um modo correto de fazer possível o impossível. Eu lutei muito. Minha avó fez um sacrifício para pagar cursinho para o vestibular.  Enquanto eu assistia às aulas, várias vezes tive de sair no meio porque estava nauseado devido ao forte tratamento que estava fazendo”.

Para ajudar a custear os estudos, que contava com o suporte da avó, Wagner precisou trabalhar e a rotina era árdua, alternada entre tratamento, trabalho e estudo, foi uma fase extremamente difícil: “Eu trabalhava em hotelaria na época, isso doente, para ajudar a pagar o cursinho. Fiz vestibular em Medicina em Roraima e para Fisioterapia aqui. Eu creio muito em Deus, então entreguei nas mãos Dele. Fechei as provas no vestibular daqui, foi um milagre. Achei que era um sinal para eu seguir Fisioterapia, por isso, resolvi ficar e não fui fazer a segunda fase da prova de Roraima”.

E, assim, Wagner seguiu o seu percurso, às vezes topou, perdeu o equilíbrio, o horizonte, em outras até caiu, mas sempre se levantou. Mesmo descalços, feridos e sujos de poeira, seus pés seguiram em frente, em busca dos sonhos que se desenhavam na areia da vida. A cada passo, um novo aprendizado o fortalecia para não desistir. Nunca ficou só, mesmo quando teve que seguir sozinho. Sua fé sempre esteve à frente dos seus pés: “Sou professor de Neurologia, faço doutorado em Neurociências na Universidade MCGILL, em Montreal. Pedi a Deus para viver até os 30. Hoje, estou aqui com quase 34 e sou grato a Deus por cada dia de minha vida. A minha lista de sonhos foi absolutamente toda realizada”.  É, Wagner, hora de fazer uma nova lista.