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COVID-19

“Temo todos os dias. Não sei como teria acesso”

Do Campus Pau dos Ferros, Lívia demonstra preocupação sobre a possibilidade de aulas online

Publicada em 26/05/2020 Atualizada há 1 ano

Lívia Ellen mora na Comunidade Xique-Xique, no município de Pilões

"Quando essa pandemia nos atingiu, logo pensei: e agora, como vou estudar?". Esse é questionamento de Lívia Ellen de Oliveira, estudante do 3º ano do Curso Técnico Integrado em Alimentos no Campus Pau dos Ferros, como também de muitos outros estudantes do IFRN que não possuem acesso diário à internet de qualidade. 

E se as aulas retornassem de forma online? “Temo todos os dias, não sei como faria para ter acesso”, responde Lívia. Ela explica que, sem internet, tem usado os livros para estudar. “Mas infelizmente o recurso é limitado, nem sempre consigo as informações que preciso”, complementa. Lívia mora na Comunidade Xique-Xique, no município de Pilões. Como 36% dos estudantes do IFRN, não tem acesso diário à internet. Como 64%, não possui computador em casa. Os dados foram extraídos do Suap (sistema administrativo e acadêmico do IFRN) e refletem a realidade de muitos dos estudantes do Instituto, no interior e na capital. 

Lívia tem um celular, mas a configuração básica não permite baixar nem armazenar arquivos, muito menos acompanhar transmissões online ou fazer atividades. Seu acesso à internet depende da compra de créditos para o sinal 3G, o que não é possível sempre. Seus pais são agricultores. A renda da família, menor que um salário mínimo, é formada pelo programa governamental Bolsa Família e pelo que o pai consegue através da agricultura. Com cinco pessoas em casa, Lívia está no grupo dos 64,25% de estudantes do IFRN que possuem renda familiar per capita menor que meio salário mínimo.

“Tem sido difícil manter a esperança. A nossa realidade é assustadora, nosso futuro parece que virou um bosque escuro cheio de névoa. Eu penso todos os dias nas vidas que se vão, nas vidas que ficam, nas pessoas que estão com seus sonhos paralisados. O mundo parou, estamos ‘presos’, mas a educação não, não há grades que sejam capazes de segurar a educação. O problema é quando não temos como alcançá-la, o que é o meu caso e de centena de jovens. Nós somos a única esperança de mudar o cenário dessa sociedade, mas como fazer se não podemos estudar?”, refletiu.

O raciocínio de Lívia confirma as preocupações do professor José Roberto Oliveira, diretor-geral pro-tempore do Campus Natal-Zona Leste. A unidade do IFRN é especializada em educação a distância. O professor levanta a problemática: “não se faz EaD com qualidade sem uma infraestrutura tecnológica, de polos e laboratórios, para acesso dos estudantes, dando condições para que tenham acesso aos conteúdos, às aulas, às atividades. Muitos estudantes, principalmente da rede pública, não dispõem em suas casas de equipamento, acesso à internet, espaço adequado para estudo, sem falar de alimentação, pois muitos só conseguem ter três refeições por causa da merenda escolar”.

O professor explica ainda que são necessários metodologia e conteúdo próprios para a modalidade, que requer uma linguagem específica, além de tempo para planejamento e preparação. Destaca também a exigência de uma relação de mediação entre professor e estudante em que “o professor não é o centro do processo, o detentor do conhecimento que passa um conteúdo, mas sim um mediador que conduz o estudante na construção do conhecimento”, explica. 

Nesse sentido, disponibilizar material não é o suficiente. É necessário que o professor tenha condições plenas de interagir com o estudante. O diretor pontua ainda a necessidade de que haja acompanhamento e avaliação: “não se faz EaD de qualidade sem uma equipe que acompanha o estudante, que motiva, engaja, dá suporte para a permanência e o êxito, visto que é uma modalidade que exige muita autodisciplina, autorresponsabilidade”, frisou.

Para Lívia, a estrutura física do Campus Pau dos Ferros é imprescindível para que possa desenvolver seus estudos e pesquisas. “Os recursos do Campus são maravilhosos, acesso livre à rede de computadores, acervos de livros e toda a flexibilidade dos professores a nos atender a tempo e a hora”, declarou. Mas desde que começou a pandemia de Covid-19, com as medidas de proteção encaminhadas por órgãos como a Organização Mundial da Saúde e decretos governamentais e a suspensão do calendário acadêmico, Lívia não conta mais com essa estrutura. 

A partir dos dados de acesso dos estudantes às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e das complexidades para a implantação da Educação a Distância como modalidade de ensino, a Pró-Reitoria de Ensino do IFRN (Proen), junto ao Comitê de Ensino (Coen), decidiu pela suspensão do calendário acadêmico, o que foi validado pela Portaria 530/2020, de 20 de março de 2020, e referendado pela Resolução 22/2020 do Conselho Superior do IFRN (Consup). “A retomada de atividades presenciais só pode ser cogitada com base num cenário epidemiológico local. A curva de casos no RN está ainda em fase de ascensão e a taxa de isolamento em torno de 41%, ou seja, o risco de consequências danosas à população do estado é de grau elevado. Assim, permanece o entendimento de manter o isolamento”, explicou Thiago Raulino, presidente do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 no IFRN. 

(O contato com Lívia foi através do aplicativo WhatsApp, com conversas interrompidas e reiniciadas nos dias em que a estudante conseguia acesso à internet).
Palavras-chave:
ensino

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